
Série Espírito Santo - Parte IV
- Christian Lo Iacono

- 23 de out. de 2021
- 9 min de leitura
Vocês manifestam que são carta de Cristo, produzida pelo nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, isto é, nos corações. E é por meio de Cristo que temos tal confiança em Deus. Não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa capacidade vem de Deus, o qual nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata, mas o Espírito vivifica. E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, se revestiu de glória, a ponto de os filhos de Israel não poderem fixar os olhos na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, ainda que fosse uma glória que estava desaparecendo, como não será de maior glória o ministério do Espírito? Porque, se o ministério da condenação teve glória, em muito maior proporção será glorioso o ministério da justiça. Pois, neste particular, o que era glorioso já não tem mais glória diante da glória atual, que é muito maior. Porque, se o que estava desaparecendo teve a sua glória, muito mais glória tem o que é permanente. Tendo, pois, tal esperança, agimos com muita ousadia. E não somos como Moisés, que punha um véu sobre o rosto, para que os filhos de Israel não pudessem fixar os olhos no fim daquilo que estava desaparecendo. Mas a mente deles se endureceu. Pois, até o dia de hoje, o mesmo véu permanece sobre a leitura da antiga aliança; não foi tirado, pois só em Cristo ele é removido. Mas, até hoje, quando Moisés é lido, o véu está posto sobre o coração deles. Quando, porém, alguém se converte ao Senhor, o véu é tirado. Ora, este Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. E todos nós, com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, que é o Espírito. 2 Coríntios 3:3-18
A maioria dos cristãos tem pouca dificuldade para entender o Pai e o Filho em virtude das imagens pessoais relacionadas com eles e por causa da realidade da encarnação – mesmo sabendo que Deus é Espírito (Jo 4.24). Mas quando se trata do Espírito Santo, a compreensão cristã fica razoavelmente destituída do elemento da pessoalidade. Imaginemos um professor explicando às crianças a realidade do Espírito soprando um pedaço de papel e fazendo-o voar. “O Espírito é assim”, diz ele às crianças, “é como o vento (pneuma ou ruah), bem real em seus efeitos visíveis, embora o próprio vento seja invisível”. Nessa hora um menino de seis anos exclama espontaneamente: “Mas eu queria que o vento fosse visível”.
Ora, quantas vezes todos nós nos sentimos assim com relação à ideia de um Deus Espírito, um Espírito Santo. Como Ele é invisível, apesar de percebermos seus efeitos, temos a tendência de pensar nele em termos não pessoais e de nos referirmos a Ele como se fosse uma “coisa”. Pomba, vento, fogo, água, óleo são apenas algumas figuras relacionadas ao Espírito. Assim, não surpreende que muitos vejam o Espírito como uma imagem cinza e indefinida, tendo dificuldades de entendê-lo e especialmente de se relacionar com Ele.
Nossa compreensão de Deus é sempre marcada pelo fato de que, em Cristo, Ele se encarnou em certo momento da história. Mesmo que Deus pareça distante, transcendente, “de eternidade a eternidade”, nós o conhecemos – e conhecemos também seu caráter. Como Paulo afirmou, a glória de Deus foi transformada em imagem para nós, no verdadeiro ser humano que traz a imagem divina, o próprio Cristo; e contemplando sua face, vemos a glória do Deus eterno (2Co 3.18; 4.4-6). Não é de modo superficial que o Espírito é chamado de “Espírito de Jesus Cristo”. Ou seja, “Cristo também colocou uma face humana no Espírito” (Gordon Fee). Para Paulo, não foi somente a vinda de Cristo que mudou todas as coisas, mas também a vinda do Espírito. Quando falamos do Espírito Santo, estamos falando da presença pessoal de Deus.
O Espírito é o agente da atividade de Deus e faz isso de forma pessoal. A conversão dos tessalonicenses acontece pela obra santificadora do Espírito (2Ts 2.13; 1Co 6.11; Rm 15.16), assim como a alegria dela resultante (1Ts 1.6; Rm 15.13). A revelação vem por intermédio do Espírito (1Co 2.9-10; Ef 3.5), e a pregação de Paulo é acompanhada pelo poder do Espírito (1Ts 1.5). Mensagens proféticas e o falar em línguas resultam diretamente do falar pelo Espírito (1Co 12.3; 14.2, 16). É pelo Espírito que os romanos devem fazer morrer as práticas pecaminosas (Rm 8.13). Paulo deseja que os efésios sejam fortalecidos por meio do Espírito de Deus (3.16: “sejam fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito, no íntimo de cada um”). Os crentes servem pelo Espírito (Fp 3.3), amam pelo Espírito (Cl 1.8), são selados pelo Espírito (Ef 1.13), andam e vivem pelo Espírito (Gl 5.16, 25). Por fim, os crentes são salvos mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que Deus derramou sobre eles (Tt 3.5).
Um olhar cuidadoso sobre a maioria dessas e outras passagens indica que a pessoalidade do Espírito é inferida ou pressuposta, e que a expressão “derramar”, por exemplo, é pura e simplesmente uma figura, como vemos em 1Co 6.11: “Mas vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus”. Em comparação com Lucas, Paulo raramente fala em estar cheio do Espírito; sua linguagem diz respeito principalmente a Deus, que “vos dá o seu Espírito” (1Ts 4.8; 2Co 1.22; 5.5; Rm 5.5; Ef 1.17; 2Tm 1.7), ou aos crentes, que “recebem” ou “têm” o Espírito (1Co 2.12; 2Co 11.4; Gl 3.2, 14; Rm 8.15). Essas imagens não dão a entender impessoalidade, como fazem o vento, o fogo etc.
Paulo compreende o Espírito como pessoa, o que se confirma, em segundo lugar, pelo fato de que o Espírito é o sujeito de um grande número de verbos que requerem um agente pessoal: o Espírito sonda todas as coisas (1Co 2.10), conhece a mente de Deus (v. 11), ensina o conteúdo do evangelho aos crentes (v. 13), habita entre os crentes ou dentro deles (1Co 3.16; Rm 8.11; 2Tm 1.14), realiza todas as coisas (1Co 12.11), dá vida aos que creem (2Co 3.6: “o Espírito vivifica”), clama dentro de nosso coração (Gl 4.6), guia-nos nos caminhos de Deus (Gl 5.18; Rm 8.14), testifica com o nosso espírito (Rm 8.16), tem desejos que se opõem à carne (Gl 5.17), ajuda-nos em nossa fraqueza (Rm 8.26), intercede por nós (Rm 8.26-27), fortalece os crentes (Ef 3.16), se entristece com nossa pecaminosidade (Ef 4.30). Além disso, os frutos da habitação do Espírito em nós são os próprios atributos pessoais de Deus (Gl 5.22-23).
Das mais de 140 ocorrências de pneuma em suas cartas, Paulo usa o nome completo, “Espírito Santo”, em 17 casos. Ele designa o Espírito 16 vezes como “o Espírito de Deus”, e 3 vezes como “o Espírito de Cristo”. A designação “Espírito Santo” ocorre apenas 2 vezes no AT (Sl 51.11; Is 63.10); entretanto, ela foi adotada pelos cristãos como nome próprio completo do Espírito de Deus, assim como o nome “Jesus Cristo”.
O “Espírito” como Espírito de Deus
Apesar da compreensão do Espírito ter sido para sempre marcada pela vinda de Cristo, Paulo pensa no Espírito basicamente da perspectiva do relacionamento que este tem com Deus Pai. Ele fala mais vezes do “Espírito de Deus” do que do “Espírito de Cristo”, e Deus é invariavelmente o sujeito do verbo quando Paulo se refere a uma pessoa que recebe o Espírito. Exemplos: Deus “enviou o Espírito de seu Filho ao nosso coração” (Gl 4.6) e Deus “dá o seu Espírito Santo a vocês” (1Ts 4.8; 2Co 1.22; 5.5; Gl 5.3; Rm 5.5; Ef 1.17). Essa interpretação é determinada pelas raízes de Paulo no AT, em que Deus se expressa dizendo “o enchi do Espírito” (Êx 31.3) ou “derramarei o meu Espírito” (Jl 2.28), e o Espírito de Deus vem sobre as pessoas para capacitá-las para toda sorte de atividades extraordinárias (carismáticas), como em Números 24.2 e Juízes 3.10.
Duas passagens em particular dão a Paulo discernimento para interpretar esse relacionamento essencial entre Deus (o Pai) e o Espírito. Em 1Co 2.10-12, ele usa a analogia da consciência humana (somente o “espírito” de alguém conhece sua mente) para reiterar que somente o Espírito conhece a mente de Deus. O interesse de Paulo nessa analogia diz respeito ao Espírito que os coríntios receberam como fonte de nossa visão cristã da cruz como sabedoria de Deus. Ou seja, somente o Espírito “sonda todas as coisas”, até mesmo “as profundezas de Deus”; e por causa desse relacionamento único com Deus, somente o Espírito conhece e revela a sabedoria de Deus “outrora oculta” (1Co 2.7).
Em Romanos 8.26-27, a mesma ideia é expressa ao contrário: Deus conhece a mente do Espírito. Entre outras questões, Paulo está preocupado em mostrar como o Espírito, na presença de nossas fraquezas e de nossa incapacidade de falar por nós mesmos, é capaz de interceder de modo adequado por nós. A eficácia da intercessão do Espírito está justamente no fato de que Deus, que examina nosso coração, também “conhece a mente do Espírito”, que está intercedendo por nós. Há mistério envolvido aqui, pois, afinal de contas, estamos lidando com os mistérios divinos. Não há muita dúvida de que Paulo vê o Espírito como uma realidade distinta de Deus; ao mesmo tempo, porém, o Espírito é tanto a expressão interior da personalidade invisível de Deus quanto a manifestação visível da atividade de Deus no mundo. O Espírito é verdadeiramente Deus em ação; todavia, ele não é simplesmente um efeito da personalidade divina nem tudo o que existe para dizer a respeito de Deus.
O “Espírito de Deus/de Cristo”
A igreja é o templo de Deus porque o “Espírito de Deus” habita bela (1Co 3.16). Nos três textos em que o Espírito é chamado “Espírito de Cristo”, a ênfase recai sobre a obra de Cristo. Em Gálatas 4.6, Paulo enfatiza a “filiação” dos crentes evidenciada pelo fato de haverem recebido “o Espírito do Filho de Deus”, por meio de quem eles usam a linguagem do Filho para se dirigirem a Deus. Em Romanos 8.9-11, Paulo parece estar deliberadamente associando a obra de Cristo no cap. 6 com a obra do Espírito no cap. 8 e, por isso, a prova de que eles são de fato povo de Deus é que o Espírito de Cristo habita neles. E em Filipenses 1.19, Paulo deseja uma nova provisão do Espírito de Cristo Jesus para que, quando ele for levado a julgamento, Cristo seja engrandecido, quer pela vida, quer pela morte.
Tudo isso indica que Paulo usa esses qualificadores “de Deus/de Cristo” para conotar relacionamento ou identificação. Isto é, o Espírito a quem Paulo está se referindo é o Espírito que deve ser entendido da perspectiva de seu relacionamento, seja com Deus, seja com Cristo. “Deus” e “Cristo” em cada caso dão identidade ao Espírito de acordo com o relacionamento a que Paulo está se referindo.
O Espírito como “o Espírito de Cristo”
A vinda de Cristo marcou nossa compreensão de Deus. A partir de então, o Deus transcendente do universo é conhecido como o “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Co 1.3; Ef 1.3; 1Pe 1.3). Do mesmo modo, a vinda de Cristo marcou para sempre nossa compreensão do Espírito. O Espírito de Deus é também o Espírito de Cristo, que continua a obra de Cristo após a ressurreição e a ascensão ao lugar de autoridade à direita de Deus. Ter recebido o Espírito de Deus (1Co 2.12) é ter a mente de Cristo (v. 16).
Para Paulo, portanto, Cristo dá uma definição mais completa do Espírito. Aqueles que têm o Espírito são filhos de Deus, herdeiros com o Filho de Deus (Rm 8.14-17); eles conhecem simultaneamente o poder da ressurreição de Cristo e a comunhão de seus sofrimentos (Fp 3.10); ao mesmo tempo Cristo é o critério absoluto que define a verdadeira atividade do Espírito (1Co 12.3). Assim, pode-se dizer que a doutrina paulina do Espírito é cristocêntrica no sentido de que Cristo e sua obra ajudam a definir o Espírito e sua obra na vida cristã.
“O Senhor é o Espírito” (2Co 3.17) interpreta “o Senhor” mencionado logo antes no v. 16, que faz alusão a Êx 34.34: “Porém, quando Moisés vinha diante do SENHOR para falar-lhe, removia o véu até sair; e, saindo, dizia aos filhos de Israel tudo o que lhe tinha sido ordenado”. O “Senhor” a quem nos voltamos, segundo Paulo, diz respeito ao Espírito. Isto é, “o Senhor” é agora compreendido da perspectiva da atividade do Espírito entre nós – o Espírito da nova aliança, que traz liberdade e transforma o povo de Deus na imagem da “glória do Senhor”. Ver Romanos 8.1-2.
O Cristo ressurreto e o Espírito são claramente distintos um do outro no pensamento de Paulo, conforme demonstram as evidências (Rm 9.1; 15.30: “primeiro, com base naquilo que Cristo fez; segundo, pelo amor do Espírito, ou seja, com base no amor por todos os santos). O próprio texto de Rm 8.26-27 indica duas funções de intercessão: o Espírito no crente e Cristo no céu (v. 34).
Mesmo assim, Paulo admite o mesmo tipo de relacionamento estreito entre o Espírito e Cristo à semelhança do que existe entre o Espírito e Deus. Às vezes, ele alterna entre um e outro, especialmente quando utiliza a linguagem da habitação (Rm 8.9-10; Ef 3.16-17). Em Gálatas 2.20, quando Paulo diz que Cristo vive nele, quase certamente quer dizer: “Cristo vive em mim por meio do seu Espírito”, referindo-se à obra de Cristo em andamento em sua vida, a qual está sendo efetuada pelo Espírito que nele habita.
Portanto, no pensamento e na experiência de Paulo, o Espírito Santo não é uma coisa, uma força impessoal derivada de Deus. O Espírito é plenamente pessoal; a bem da verdade, Ele é Deus. As implicações dessa verdade para a igreja atual são enormes. Apesar de declararmos essa realidade nas confissões trinitárias, na prática a maioria dos cristãos tende a crer numa imagem cinzenta e indefinida a respeito do Espírito. O resultado é que as implicações da presença renovada de Deus por meio do seu Espírito inspiram muito pouco os crentes em uma ou outra direção. A realidade de que Deus está presente como pessoa em nós e em nosso ambiente deveria nos encorajar no meio das necessidades urgentes e fraquezas de nossa vida, além de nos fortalecer quando nossos ombros vergam e nossas mãos cansam. A vinda do Espírito para nós e para o nosso meio significa que o Deus vivo, na pessoa do Espírito, certamente está conosco. Assim, não podemos meramente recitar o credo, mas devemos crer e experimentar a presença de Deus na pessoa do Espírito.

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