Discriminção e Preconceito - Parte IV| Série - A igreja
- Christian Lo Iacono

- 25 de out. de 2024
- 10 min de leitura
Atualizado: 5 de dez. de 2024
[1] Meus irmãos, vocês não podem ter fé em nosso Senhor Jesus Cristo, o Senhor da glória, e ao mesmo tempo tratar as pessoas com parcialidade. [2] Porque, se entrar na sinagoga de vocês um homem com anéis de ouro nos dedos, vestindo roupa luxuosa, e entrar também um pobre muito malvestido, [3] e vocês derem um tratamento especial ao que está vestido com a roupa luxuosa, dizendo: “Você, sente-se aqui no lugar de honra”, e disserem ao pobre: “Você, fique em pé” ou “Sente-se ali, abaixo do estrado dos meus pés”, [4] será que vocês não estarão fazendo distinção entre vocês mesmos e julgando as pessoas com critérios errados? [5] Escutem, meus amados irmãos. Por acaso Deus não escolheu os que para o mundo são pobres para serem ricos em fé e herdeiros do Reino que ele prometeu aos que o amam? [6] No entanto, vocês desprezam os pobres. Por acaso não são os ricos que oprimem vocês e não são eles que os arrastam para os tribunais? [7] Não são eles os que blasfemam o bom nome que foi invocado sobre vocês? [8] Se vocês, de fato, observam a lei do Reino, conforme está na Escritura: “Ame o seu próximo como a si mesmo”, fazem bem. [9] Se, no entanto, vocês tratam as pessoas com parcialidade, cometem pecado, sendo condenados pela lei como transgressores. [10] Pois quem guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. [11] Porque, aquele que disse: “Não cometa adultério”, também ordenou: “Não mate.” Ora, se você não comete adultério, porém mata, acaba sendo transgressor da lei. [12] Assim, falem e vivam como pessoas que serão julgadas pela lei da liberdade. [13] Porque o juízo é sem misericórdia sobre quem não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo.
Tiago 2.1-13
No sermão passado começamos a lidar com o texto de Tiago, capítulo 2, a respeito do pecado da parcialidade e do preconceito na igreja. Mencionamos também o texto de Paulo: "Portanto, acolham uns aos outros, como também Cristo acolheu vocês para a glória de Deus" (Rm 15.7). É na igreja local que devemos ver Jesus destruindo as barreiras do preconceito e da parcialidade. Afinal, os 4 seres viventes e os 24 anciãos em Apocalipse cantam um “cântico novo”: “‘Digno és de pegar o livro e de quebrar os selos, foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra.’” (5.9-10).
Fé em Cristo e favoritismo são incompatíveis. Não podemos discriminar alguém com base na aparência externa, pois Deus vê o coração (1Sm 16.7). Uma forma de conter nossa tendência natural à parcialidade é fixar nossos olhos em Jesus, a quem Tiago chama de "o Senhor da glória". Somente Cristo tem toda a glória. Assim, você se aproxima, com alegria, daqueles que são diferentes de você, ou é daqueles que saem de fininho? Por fim, na semana passada começamos a ver 4 motivos que Tiago nos dá para sermos acolhedores. O primeiro deles é que a parcialidade não reflete a graça de Deus (Tg 2.5a). Nunca nos esqueçamos de que Deus nos aceitou quando estávamos falidos, sem nada para oferecer.
Em segundo lugar, não podemos discriminar porque a parcialidade não reflete o reino de Deus (Tg 2.5b-7). Não apenas muitos dos pobres são “ricos em fé” (v. 5), mas também são considerados "herdeiros do Reino" (v. 5). No reino de Deus, tudo é virado do avesso. Deus inverteu a posição dos cristãos pobres (Lc 1.53: “Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos”). E, um dia, a verdade acerca dos mais honrados santos será revelada por completo. Teremos muitas surpresas naquele último dia, porque nosso imaginário tem sido formado majoritariamente por este mundo e seus valores.
Pode muito bem ocorrer que um simples recepcionista, um pobre agricultor ou uma viúva solitária recebem mais honra do que um pastor famoso. A igreja, portanto, deveria ser uma embaixada do reino de Deus. Temos de manifestar o reino ao mundo, mostrando que ele é diferente (cuidando os “jeitinhos”, as meias verdades, a atitude de dar o tapa e esconder a mão) do sistema deste século. Somente na igreja é possível encontrar um pobre, sem educação formal, mas maduro na fé, ensinando um médico brilhante ou um professor universitário que acabaram de se converter.
No contexto de Tiago, os ricos estavam maltratando os cristãos pobres (v. 6), e então o autor bíblico repreende os ricos por agirem como os não convertidos, em vez de, honrando seu povo, representarem o maravilhoso nome de Cristo (v. 7). A igreja hoje pode destratar os pobres de muitas formas: não plantar igrejas em lugares mais pobres; não levar os pobres em consideração e focar apenas nas programações da igreja; não dar aos pobres oportunidades iguais de ensinarem e liderarem na igreja; deixar que os ricos assumam as decisões da igreja; etc.
Em terceiro, a parcialidade não reflete a lei régia de Deus de amarmos nosso próximo como a nós mesmos (Tg 2.8-12). Como cristãos, temos um nome real, e temos de viver conforme a lei régia de nosso Rei: amar nosso próximo como a nós mesmos. Jesus nos ensina que estrangeiros e inimigos estão entre os "próximos". Isso significa que nos é absolutamente proibido discriminar qualquer um que entre por nossas portas, não importa sua aparência ou origem (v. 9). Ignore esse fato e, Tiago afirma, você estará violando toda a lei (v. 10). A lei é una, e está totalmente ancorada no amor a Deus e ao próximo. Não acolher e amar nosso próximo é uma ofensa a Deus, pois foi ele quem promulgou a lei: “aquele que disse: ‘Não cometa adultério’, também ordenou: ‘Não mate.’” (v. 11).
Tiago também quer que os cristãos não se esqueçam de que prestarão contas de suas palavras e obras. Portanto, devemos falar e agir tendo o julgamento de Deus em vista (v. 12). Não pense que esnobar os pobres (ou qualquer pessoa, por qualquer motivo) seja algo pequeno aos olhos de Deus. Seremos julgados "pela lei da liberdade" (v. 12). Sendo bem claro, somos cristãos não por causa de nosso desempenho, mas em virtude do que Cristo fez. Não há mais condenação para os que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1). Mas isso não quer dizer que a lei foi deixada de lado: quer dizer que agora temos um novo relacionamento com ela. A lei não é mais uma ameaça ou um fardo. Não, agora a vontade de Deus é algo que buscamos alegremente pelo poder do Espírito Santo.
Para o cristão, a obediência é libertadora, enquanto o pecado é escravizante. O personagem digno de pena na metáfora de Tiago é o recepcionista que bajula o rico, pois é ele quem está escravizado! Se praticarmos amor verdadeiro para com o próximo, haveremos de experimentar liberdade genuína. Na prática cruel da escravidão, os escravos não eram os únicos escravizados. No fim das contas, os donos de escravos e promotores da escravidão eram os verdadeiros escravos: escravos do pecado. Quando você vive uma vida de obediência habilitada pelo evangelho, liberdade genuína é experimentada.
Por fim, em quarto lugar, a parcialidade não reflete a misericórdia de Deus para conosco. Tiago conclui alertando: "Porque o juízo é sem misericórdia sobre quem não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo" (2.13). Ele inverte a bem-aventurança de Jesus, "Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia" (Mt 5.7), afirmando o oposto: Malditos são os sem misericórdia, pois não alcançarão misericórdia. Se os ouvintes de Tiago continuassem a demonstrar parcialidade, eles, então, se deparariam com um julgamento "sem misericórdia" ao fim de suas vidas, provando que jamais possuíram a fé salvadora.
Mas "a misericórdia triunfa sobre o juízo" (Tg 2.13b). Os atos de misericórdia dos cristãos farão com que eles sejam vindicados no julgamento final. A misericórdia de Deus neles resulta em atos de misericórdia da parte deles, e eles haverão de resistir ao julgamento final de Deus. É impossível tratar os outros com compaixão e graça sem antes acolher a graça de Deus em nosso próprio coração, viver de acordo com a cosmovisão do reino, praticar o verdadeiro amor ao próximo, e refletir aos outros a maravilhosa graça de Deus em nossas vidas. Então, como sempre, voltamos ao evangelho.
A graça de Cristo produz um povo acolhedor
Em seu comentário de Romanos, o professor Michael Bird, usando o termo "gracismo", de David Anderson, desenvolve uma aplicação da ênfase de Paulo na unidade entre cristãos judeus e gentios:
“Gracismo significa estender favor aos outros independentemente de cor, classe ou cultura. Sim, eu sei que ‘gracismo’ soa cafona demais, mas não deixa de expor a verdade. Gracismo quer dizer que jamais se pedirá a alguém para sentar-se no banco de trás da igreja. Gracismo significa que não podemos dizer ‘iguais, mas separados’. Gracismo quer dizer que nós deliberadamente queremos comunidades multiétnicas e inter-raciais. Gracismo implica que nós, pecadores agora reconciliados com Deus, podemos ser agentes da reconciliação com os outros. Todos os aspectos do gracismo promovem a desconstrução de todos os sistemas de castas. Gracismo significa que a graça deve ser tanto pregada aos outros quanto colocada em prática na relação com os outros. Gracismo implica que a maneira mais incisiva e eficiente de derrotar nossos inimigos tribais é fazendo deles nossos irmãos e irmãs em Cristo.”
Podemos viver como "gracistas" por causa da graça de Jesus em nosso favor. Se tivermos nossa origem espiritual sempre em mente, seremos o povo da graça, amaremos uns aos outros e demonstraremos ser gratos a Deus. A resposta adequada à graça derramada em nós mediante Cristo é estender essa mesma graça aos outros. Aqueles que verdadeiramente acolhem a graça do evangelho no próprio coração tornam-se acolhedores, hospitaleiros, gratos, generosos e alegres.
Crentes não se assemelham uns com os outros apenas no aspecto da criação, apenas por serem a imago Dei, a imagem de Deus. E também não somos apenas um em Adão, todos pecadores. Essas características são ambas verdadeiras. Mas, como cristãos, somos um em Cristo. Nós somos os que "estavam longe", mas que "foram aproximados mediante o sangue de Cristo" (Ef 2.13, NVI). Tal unidade é de fato extraordinária. Jesus é capaz de unir aqueles que compram roupas em lojas de grife e aqueles que compram em brechós. Ele pode unir atletas e nerds, artistas e políticos, introvertidos e extrovertidos, e até mesmo colorados e gremistas. Quando vemos o mundo com as lentes do evangelho da graça, nos tornamos pessoas acolhedoras.
O pastor Ray Ortlund Jr. já tem mais de setenta anos e irradia uma contagiosa paixão cristã. Certo domingo, ele fez uma poderosa "saudação" durante o culto da manhã. Apoiado no púlpito e falando num tom sincero, caridoso e gracioso, ele disse o seguinte:
“Sejam bem-vindos à igreja. Há algo, no entanto, que eu quero que vocês saibam. Provavelmente vocês devem ter notado, enquanto entravam, que aquelas portas ali estão pintadas de vermelho. Essa é uma antiga tradição cristã [que reflete o fato] de entrarmos na igreja através do sangue de Cristo. No mundo lá fora, onde vivemos o resto da semana, nós nunca estamos à altura. Nossas vidas nunca estão completas. Jamais pertencemos perfeitamente. Então entramos na igreja através da obra completa de Jesus na cruz, mas o que há de tão diferente aqui? [...] A razão pela qual pertencemos: nós adentramos uma completude já pronta. Por esse motivo, podemos ser frágeis, podemos ser honestos conosco, uns com os outros e com o Senhor, que diz: ‘Nós pertencemos’.
Sejam bem-vindos. Assim, aos que estão cansados e querem repouso,
Aos que choram e anseiam por consolo,
Aos que falharam e querem encontrar força,
Aos pecadores que precisam de um Salvador:
Esta igreja abre suas portas vermelhas no nome de Jesus, o amigo dos pecadores.
Sejam bem-vindos; alegro-me por estarem aqui.” (Imannuel Church, Nashville)
Que bela forma de aplicar a ordem de Paulo: "Portanto, acolham uns aos outros, como também Cristo acolheu vocês para a glória de Deus" (Rm 15.7). Apenas imagine o quanto essa disposição de espírito multiplicaria se fosse vivida por milhões de cristãos ao redor do mundo. Tal graça e hospitalidade refletem o ministério de Jesus, que não tinha problema em acolher os marginalizados, mas que condenava os que faziam o oposto.
Recipientes da graça podem dizer: "Quando eu tive fome, Jesus me satisfez. Quando tive sede, Jesus se tornou minha água viva. Quando estive nu, Jesus me cobriu com sua justiça. Quando não tinha onde dormir, Jesus me acolheu. Quando estava preso, Jesus me visitou. Quando doente, Jesus me curou. Quando não tinha direito de me assentar à sua mesa, Jesus fez de mim seu filho e me deu lugar ao seu lado". Já que você foi acolhido de tal forma pela glória do Senhor, seja um membro de igreja que acolhe os outros, sem preconceitos, nos cultos e nas reuniões de sua igreja, em sua casa e em sua vida.
Passos de ação
Uma igreja acolhedora não apenas prega o evangelho, mas também transmite o carinho relacional dele. Fomos trazidos para essa família sobremaneira diversificada que carrega o maravilhoso nome de Cristo, e que foi chamada a honrar seu nome deixando sua graça e misericórdia transformarem a maneira como consideramos a nós mesmos e aos outros. Então, deixe-me encorajá-lo a fazer sua parte como membro de uma igreja acolhedora, constituída de diversas pessoas unidas pelo evangelho. Aqui estão algumas possibilidades:
1. Reflita com regularidade em como Cristo acolheu você tão gentil e graciosamente. Acolha os outros com o mesmo carinho e hospitalidade;
2. Peça a Deus que sonde seu coração e lhe mostre qualquer preconceito ou orgulho que há em você. A única coisa que tem a perder é o pecado que está enredando você. Portanto, arrependa-se e deixe Deus transformá-lo, fazendo-o mais parecido com Jesus;
3. Nos cultos ou reuniões de sua igreja, esteja atento àqueles que estão sozinhos. A autora Rebecca McLaughlin, em suas redes sociais, trouxe três regras para a boa receptividade: "(1) Uma pessoa sozinha em sua reunião é uma emergência; (2) Os amigos podem esperar; (3) Introduza o visitante aos outros. Que todos tenham a oportunidade de serem missionários na igreja hoje!”. Não vá ao culto público como um espectador indo a um show, mas como um ministro ávido por abençoar e acolher;
4. Considere fazer parte de ministérios envolvidos com hospitalidade. Nossa igreja tem um grupo de recepção, uma equipe para cuidar das crianças, uma equipe de limpeza. Não subestime a importância desses ministérios! Ao colocar a hospitalidade em prática, você reflete o caráter de Deus, o enredo das Escrituras, e demonstra o fruto do evangelho em seu coração;
5. Ore para que você e seus irmãos reflitam verdadeiramente o ministério de Jesus, que é o amigo dos pecadores. Ore para que nós, que fomos acolhidos no reino de Cristo, coloquemos sua graciosa hospitalidade em evidência.
Assista o Sermão completo em nosso canal do Youtube:

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